Indenizar a falta de afeto pelo filho: sim ou não?

Se por um lado a importância do afeto nas relações em família está sendo cada vez mais reconhecida no mundo jurídico, sendo capaz de criar vínculos genuínos, como é o caso da filiação sócio afetiva, como vem sendo tratada a sua falta? 

Como vem sendo tratada e cuidada a falta do afeto na vida das crianças e dos adolescentes pela nossa legislação, pelos nossos juízes e pelos nossos Tribunais?

Juridicamente falando, a grande polêmica que eu trago aqui é a seguinte:

É possível se falar em indenização por abandono afetivo?

É possível condenar um pai ou uma mãe que abandonaram afetivamente o seu filho?

É o afeto considerado um direito fundamental ou não?

Infelizmente, a falta de afeto é a realidade de muitas crianças e de muitos adolescentes. E eu não preciso falar que esse assunto é extremamente polêmico, principalmente pelo fato de o afeto ser um conceito extremamente subjetivo. 

O meu entendimento sobre afeto pode ser completamente diferente do seu.

Uma pessoa mais fria vai interpretar o afeto de uma maneira mais superficial e dará muito menos importância a ele do que outra pessoa mais passional, que com certeza terá uma visão mais profunda e sensível sobre ele.

Mas o fato é que esse assunto é capaz de gerar uma polêmica sem fim.

Não podemos obrigar uma pessoa a gostar da outra. Nem mesmo falando da relação entre pais e seus filhos. É esse o resumo dos fatos.

O afeto não é reconhecido como um direito fundamental, mas sim um valor que pode ou não existir em qualquer relação.

Não é possível obrigar pais a terem afeto pelos seus filhos, como também não é possível obrigar filhos a terem afeto pelos seus pais.

Ainda não se inventou uma injeção de amor para se aplicar no coração das pessoas, como bem destacou um grande estudioso sobre esse assunto ao falar sobre o afeto nas famílias da sociedade contemporânea.

Assim, um pai ou uma mãe que colocaram um filho no mundo não são de fato obrigados a gostar dele, não se podendo falar em indenização pela falta de afeto, pelo menos nos dias de hoje.

Mas isso não lhe tira o dever de cuidar do seu filho e aí sim, podemos começar a falar em responsabilização.

O Poder Familiar e a proteção integral das crianças e dos adolescentes são protegidos constitucionalmente e o descumprimento dessa obrigação gera o dever da indenização.

O direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária e a obrigação de colocar os filhos à salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão são obrigações que devem ser cumpridas por todo pai e por toda mãe. É o que diz a Constituição.

No caso de violação, poderemos falar em condenação, não para reparar eventual dano, pois esse é considerado irreparável, mas sim para haver a respectiva compensação.

O Superior Tribunal de Justiça, responsável pelo julgamento das questões em família já discorreu sobre esse assunto através de dois precedentes, ou seja, através do julgamento de dois casos reais que abordaram esse assunto.

No primeiro deles, no julgamento de um Recurso Especial, foi reconhecida a impossibilidade de ser fixada indenização por dano moral contra um pai pelo abandono afetivo do seu filho.

Já no julgamento de outro Recurso Especial, foi reconhecida essa possibilidade, mas exclusivamente no caso de o abandono afetivo resultar da violação do cuidado.

Então, se em decorrência da violação do cuidado for gerado e ficar caracterizado o abandono afetivo, aí sim podemos falar no dever de indenizar do pai ou da mãe com relação aos seus filhos.

Mas se não ficar comprovado o nexo de causalidade entre o não cuidado e o abandono afetivo, não se pode falar na indenização.

Resumindo, é possível se chegar a conclusão de que o abandono afetivo puro e simples não gera mesmo o dever de indenizar. Mas uma vez caracterizada a violação de um dos deveres do cuidado, cabível é a indenização.

Difícil é a não confusão entre esses dois conceitos, afeto e cuidado, mas esse é um problema que deverá ser resolvido no julgamento de cada um dos casos concretos que venham eventualmente a surgir.

Na minha opinião, triste é pensar ser possível existir a falta de afeto entre pais e seus filhos e não propriamente a indenização.

 

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Beto Mancusi