Contrato de Namoro

Tem quem defenda que se trata do simples exercício da autonomia da vontade. Outros dizem que se caracteriza como uma ferramenta para fraudar a legislação.

Instrumento de origem duvidosa, para uma melhor compreensão do Contrato de Namoro, suas características e eficácia é necessário entender o fundamento da sua criação.

Com a evolução da sociedade, as pessoas mudaram a forma de se relacionar.

Nos dias de hoje, onde a felicidade e a dignidade da pessoa humana são direitos protegidos pela Constituição Federal, o afeto é a base dos relacionamentos.

Sem ele, nada justifica a manutenção de qualquer tipo de união.

E Bauman, tinha total razão. Vivemos atualmente no que o sociólogo e filósofo polonês denominava de mundo líquido.

Superficial e instantâneo são características dos relacionamentos da sociedade contemporânea.

Antes longínquas e duradouras, as relações estão cada vez mais efêmeras e superficiais.

Satisfação é a palavra de ordem e a liberdade, por sua vez cada vez mais presente, torna quase tudo possível.

Diante desse novo cenário decorrente das transformações sociais, onde não importa mais o que é considerado como correto, mas sim o que traz satisfação, a intimidade passou a ser a protagonista também durante o namoro.

Antigamente completamente supervisionado pelos pais, hoje o comportamento daqueles que mantém esse tipo de relação pouco se diferencia daqueles que se mantém juntos através da união estável.

Não existindo mais freios, nem ao menos os sexuais, é muito tênue a diferença entre esses dois tipos de relacionamentos. 

E é aqui que se inicia todo o problema. 

A partir do momento em que foi reconhecida como entidade familiar através da Lei 9.278/96, a união estável passou a ser equiparada ao casamento, com os mesmos direitos e as mesmas obrigações.

E nos concentrando nos seus direitos, a comunicabilidade patrimonial, a partilha e a herança de bens virou realidade entre aqueles que estão unidos estavelmente.

O namoro, por sua vez, não produz direito algum.

Assim, como negar o receio de ser feita confusão entre o que é união estável e o que é namoro?

Com a possibilidade de se considerar namorados pessoas unidas estavelmente e, consequentemente, com direitos patrimoniais, passou a ser imprescindível não só as duas conceituações, mas também a sua diferenciação.

Porém, essa tarefa não tem se mostrado muito fácil.

Não existe na legislação brasileira qualquer conceito que especifique o que é namoro.

Mas ele tem sido caracterizado como o relacionamento amoroso entre duas pessoas onde a aproximação física e psíquica, fundada em uma atração recíproca, aspira à continuidade.

É tido como uma escalada do afeto, ou seja, um crescente processo de convivência com o objetivo de conhecimento mútuo, que pode encaminhar uma futura família ou não.

E dependendo da intimidade mantida entre aqueles que namoram, a fidelidade passa a ser mais presente, as relações mais duradouras, passando a existir a publicidade social dessa relação, sendo fácil ocorrer a tão temida confusão.

Cada vez mais encontramos no namoro os requisitos caracterizadores das uniões estáveis.

Essas, consideradas como a união de duas pessoas livres, desimpedidas e capazes, que passam a ser companheiras em comunhão de vida e sexual, convivendo estavelmente por longo tempo e coabitando sob o mesmo teto ou não, têm apenas uma diferença quando comparada ao namoro. 

A vontade do casal de constituir uma família passou a ser a única característica capaz de diferenciar esses dois tipos de relação.

E como comprovar a sua existência ou não?

Surge a figura do Contrato de Namoro na cena da nossa sociedade, aparentemente com essa finalidade.

Por possuírem receio de serem reconhecidos como uma família e para assegurarem o seu patrimônio após eventual término do relacionamento, muitos casais de namorados aderiram a ele para afastar a comunicabilidade de eventual patrimônio.

Considerado como um negócio jurídico celebrado entre duas pessoas que mantem um relacionamento amoroso, tem como objetivo afastar os efeitos da união estável através de uma declaração onde fica consignada a falta de interesse de se constituir uma família.

Apesar de não existir previsão legal sobre essa modalidade de ajuste, também não existe qualquer proibição.

Seguindo os requisitos de validade comuns a qualquer modalidade de contrato previstos na nossa legislação, eles podem sim ser celebrados.

Mas podem ser considerados válidos e eficazes?

Essa é a grande questão.

Segundo as leis vigentes no Brasil é lícito a estipulação de contratos atípicos, como é o caso dos contratos de namoro, devendo ser observadas algumas condições.

E a principal delas é a exigência de serem respeitados os princípios da probidade e da boa-fé.

Portanto, o que não pode existir naqueles que celebram o contrato de namoro é a intenção de se descaracterizar uma união estável existente, através de declarações falsas.

No entanto, infelizmente, é o que muitas vezes acontece.

Tentando desvirtuar uma realidade, esses acordos acabam perdendo a sua validade e eficácia por serem firmados com base em fatos não verdadeiros.

O entendimento que predomina hoje nos nossos Tribunais é que a união estável é uma situação fática que decorre da convivência humana, surtindo reflexos jurídicos entre aquelas pessoas que a vivenciam.

Nada pode ir contra as aparências e a notoriedade de uma união estável. Se ela de fato for comprovada, o documento que dispor em sentido contrário nunca será acolhido.

É correto, então, sempre considerá-los uma fraude?

Claro que não.

Para que sejam reconhecidos como um verdadeiro exercício da autonomia da vontade daqueles que o celebram, para que seja aproveitada a liberdade que pode ser praticada quando da sua elaboração,  devem representar a real intenção daqueles que namoram, expressada através de normas de convivência, regras de comportamento ou qualquer outro tipo de acordo que deverão nortear determinada relação.

Mas nunca podem desvirtuar uma realidade como é o caso da existência da união estável.

Difícil é conseguir se fazer essa comprovação.

Beto Mancusi

Beto Mancusi